
Nestes últimos tempos, meu olhar triste de septuagenário para o espelho da história alimenta angústia interior. Já poderia ter virado tênue lembrança para os mais próximos, mas a medicina concedeu alguma prorrogação. Teria valido a pena esta sobrevivência? Tenho hoje dúvidas. Alegram-me oportunidades, como netos e afetos, angustia-me olhar o mundo e, especialmente, o Brasil. Isto sem levar em conta a tontura de ancião ante tanta nova tecnologia, terminologias estrangeiras, sistemas inovadores e complexos. Sou da geração do pós- -guerra, aquela que nasceu nas décadas 1940 ou 1950, viveu angústias e incertezas, transformações enormes - da cultura ou costumes à geopolítica mundial, evolução rápida de tecnologias, tanta novidade, quanta variação!
Se pensarmos na infância naquelas décadas, hoje resta pouco das pessoas, coisas e hábitos, todavia, sobram novidades com as quais tivemos de aprender ao longo da vida. É primavera e a natureza dá oportunidades de alegrias e bem-estar. Olho para a realidade, o futuro de um povo e de uma nação. Vejo nuvens cumulonimbus com suas poderosas cargas de raios, granizos, tempestades... A velha ginga brasileira transformou-se em artimanhas para lesar o bem público e os outros.
As vanguardas isolaram-se em aventuras sobre costumes e relações, chocando uma sociedade despreparada para tantos modismos. A cordialidade do povo agora é retratada em líderes de facções criminosas disputando quem aparece na foto e na rede social portando maior arma de guerra, jovens estão sedentos por estampar pistola na mão até mesmo nos bailes e diversões. E para completar o ritual na direção da força como argumento e da violência como forma de relacionamento, a opinião pública aclama embriagada de emoção atitudes virulentas. E o meio ambiente? Pensava que já fosse consenso de que precisamos preservá-lo e reduzir os efeitos danosos do estilo de vida humana sobre terra, mares, atmosfera, biodiversidade...
Que nada! Parece que retornará a ser visto apenas pelo aspecto econômico como óbice a uma forma de crescimento que conflui em longo prazo para a impossibilidade da própria vida humana neste planeta. Nem mesmo no longo período autoritário, ao qual resisti e me opus, ouvi tantas barbaridades e massas alucinadas repetindo-as. Certamente, algum dia haverá bonança após tamanha tempestade. Meu ciclo existencial dificilmente oportunizará que a encontre. Resta ao velho militante recolhido à rotina caseira, a inquietude de sofrer o presente e a ameaça do futuro imediato.